terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Rasga-me

Pega-me como um pedaço de papel e rasga-me. Escreve em mim e depois rasga-me. Apaga-me com essa borracha cruel e rasga-me. Desenha-me em ti. Coloca cada pequeno traço do meu rosto, para me lembrares a sorrir e a chorar... Mas depois rasga-me. Não me recortes com uma linha perfeita que descreve uma bela figura. Não me dobres ocultando cada letra que há em mim. Não pegues simplesmente em mim e não me amarrotes, com esse desprezo no olhar de quando algo não vale nada. Rasga-me. Escolhe o sítio perfeito por onde começar, e vai continuando, por ali abaixo, devagar. Ou depressa. Com serenidade ou com toda essa raiva que tens por mim. Rasga-me. Quando me tiveres rasgado como este pequeno pedaço de papel uma vez, rasga-me outra e outra vez. E verás que o pequeno pedaço de papel se transforma em muitos pequenos pedaços de papel moldados por ti. Mais pequenos, mais desalinhados, com bordas feias, mal definidas, de diferentes tamanhos. Mas continua a rasgar-me. E verás que um dia não conseguirás rasgar mais. Os pequenos pedaços de papel vão-se tornando tão pequenos que não consegues rasgá-los mais. Toda eu continuarei aqui, apesar de feita em pequenos pedaços de papel. E tu? O que farás com esses pequenos pedaços de papel impossíveis de rasgar? Deitá-los fora? Ou continuar a guardá-los nessa caixinha inquebrável que tens dentro do peito?..

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Fora de mim

Hoje acordei fora de mim.
Nem mesmo o vento, que eu sabia que batia em mim, pois via o meu cabelo abanar... Nem mesmo esse me batia com força suficiente para que o sentisse...
Palpei o ar a minha volta, mas por incrível, escorregou-me das mãos... Não o senti... E não me senti... E não me sinto.
E o nó na garganta continua a apertar-me de tal forma que quase não me deixa respirar. E o aperto no estômago permanece com tal intensidade que a comida que chega lá quase se sente incomodada, e com vontade de sair. E os olhos continuam com vontade de derramar estas lágrimas amargas que se acumulam cá dentro.
Não posso controlar. É nisto que penso... Não posso controlar a minha própria vida, de forma a que a sinta verdadeiramente minha. Não posso desenhá-la a meu gosto, com as minhas cores favoritas, com um sol radioso e umas flores rosa e vermelhas. Não posso pegar nas rédeas e determinar a velocidade do animal que a leva ao seu destino. Não posso... E no entanto não consigo deixar de o querer... Não consigo deixar de desejar que o que é meu seja só meu. Única e simplesmente, e para sempre. Não consigo deixar de pensar que podia ganhar asas e voar para qualquer sítio que me fizesse ver a realidade, que me fizesse guardar o horizonte que prende tudo aquilo que tenta escapar de mim... Preciso de semi-cerrar os dentes, fechar os punhos e fechar os olhos com muita força. E vencer-me a mim própria... E mostrar-me que não é tudo como eu quero, mas que alguma coisa pode querer que seja de outra forma. E que o que tiver de acontecer, acontecerá. Porque o futuro não tarda. E não há nada mais justo do que ele.
Hoje acordei... E estava fora de mim.
Agora vou dormir. E encontrar-me. Porque não sei como vou acordar amanhã. Talvez acorde fora de mim...

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Há dias assim

Fecho os olhos na esperança de ver algo mais para além de tudo... Mas não alcanço mais do que o cinzento do céu, as árvores que abanam ao sabor do vento, o comboio a passar apressado com toda a sua carga... Palpo o vazio na esperança de encontrar algo mais do que aquilo que já sei... Mas nada mais sinto, a não ser aquilo que já os meus olhos decoraram há muito tempo... Centro toda a minha atenção, com esperança de ouvir o som de algo que não me pareça familiar... Mas apenas o som das buzinas dos carros, das sirenes das ambulâncias, dos rapazes e raparigas que lá fora riem com vontade... Deito a língua de fora, mas nem um único sabor me aflora... Nem um doce, nem um salgado... Um nada que se revela pelo nada que tenho na boca... Inspiro levemente, ainda na esperança de encontrar aquele aroma que me encherá a alma, e me fará esquecer tudo o resto... Mas o único cheiro é o do amargo de toda uma vida repleta de repetições, de coisas que algum dia já vi, já toquei, já ouvi, já provei e já cheirei... E nada mais me faz colorir todo este cinzento... E a vontade de pegar em tudo o que é meu e jogar pela janela começa a surgir... E só apetece... Só apetece abrir a janela, gritar, atirar coisas ao chão, mostrar ao mundo a nossa revolta... Mas o problema é que ele não vê, não sente, não ouve, não degusta e não cheira... E eu continuo a esventrar-me com raiva de não poder fazer nada para lhe mostrar que ele não pode fazer tudo aquilo que ele quer... Mas faz... Porque ele é o mundo... E porque ele pode... E porque nada mais tem tanto poder como ele... Nós somos um piolho na cabeça dele... E ele faz questão de nos esmagar com as unhas, e deitar-nos pelo cano abaixo... Quando lhe apetece... Só porque sim...
Amanhã é um novo dia.
Tudo vai passar.
Até amanhã.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Às vezes dói...

Já esmurrei joelhos, dei cabeçadas em portas, cortei-me, e nunca doeu tanto...
Já espetei espinhos, fui mordida por bichos ou atacada por plantas bravas, e nunca doeu tanto...
Já caí, pontapeei pedras, chapei na água e nunca doeu tanto...
Já tirei dentes, torci tornozelos, tive unhas encravadas, e nunca doeu tanto...
Já estive enjoada, vomitei, e nunca doeu tanto...
Já tive enxaquecas, dores de barriga, dores nos músculos, mas nunca doeu tanto...
Como esta dor fininha no coração. Que preenche todos os espaços do meu corpo que não estão já preenchidos por outra coisa qualquer. É uma dor persistente, como se alguém que há algum tempo me espetou um arame no coração, passasse por lá de vez em quando para avivar a ferida. Para evitar que esta cicatrize, e para que eu me lembre que ela está lá. E dói tanto... Dói tanto querer tudo de toda a gente. Dói tanto sentir as coisas de forma tão intensa... Dói ser assim... E o pior é que não sei ser de outro jeito... Simplesmente não sei... Quero tudo. Quero sentir tudo. Quero querer tudo. E quero ser de um jeito que não queira. Quero poder dizer que estou bem, e estar mesmo. E às vezes não posso. E quero poder. Quero que não doa mais. Porque já doeu demais. Quero apenas que passe. Ou que continue, mas que não doa deste jeito. Dói de um jeito...

domingo, 1 de junho de 2014

Apetece-me

Apetece-me sair, correr no meio do campo, atirar areia para os olhos, construir castelos de lama e bolos com pozinhos de terra. Apetece-me pintar sem medida, sujar a roupa, fazer bolas de sabão, andar descalça no chão, comer um gelado e lambuzar a cara. Apetece-me aprender a ler, a escrever, aprender as cores, fazer jogos no tapete do infantário. Apetece-me andar de baloiço, brincar com bonecas, despentear as tranças que a minha avó me fez de manhã. Apetece-me fazer birra porque não gosto da sopa, apetece-me dormir a sesta no final de almoço com o meu avô. Apetece-me fazer bem-me-quer com qualquer uma flor que apanho no campo. Apetece-me desenhar a minha casa, um sol gigante no canto da folha, daqueles com boca, uma árvore pequenina e umas flores gigantes, uns pássaros em V e a minha família sorridente e de mão dada. Apetece-me transpirar de tanto brincar, jogar à bola com os rapazes, fazer espantalhos para o Carnaval. Apetece-me vestir aquelas roupas lindas e pequeninas. Apetece-me colo. Apetece-me não saber o que é a vida. Apetece-me olhar à minha volta e tudo me parecer estranho. Apetece-me rir quando choro e chorar de tanto rir. Apetece-me pronunciar mal as palavras e ser corrigida com um sorriso no rosto. Apetece-me não entender quando uma criança é diferente de mim. Apetece-me fazer asneiras e fazer cara de anjinho pra ninguém perceber. Apetece-me atirar-me para os braços de alguém, e desatar aos abraços e aos beijinhos. Apetece-me fazer presentes lindos para o Dia da Mãe e do Pai. Apetece-me não estar a escrever este texto... Porque não sei escrever... Apetece-me voltar. Apetece-me tanto...

domingo, 6 de abril de 2014

Porque sim...

Porque me fazes falta quando não vejo esses olhos a brilhar para mim. Porque me fazes falta quando não ouço essa tua voz doce e sensual. Porque me fazes falta quando não me dizes que sou uma toninha, e uma estúpida de todo o tamanho. Porque me fazes falta quando tens muito que fazer, e eu também. Porque me fazes falta quando eu só digo disparates e não estás lá para me mostrar isso. Porque me fazes falta quando preciso de um beijo, ou de um abraço no calor do momento. Porque me fazes falta naqueles dias de chuva. Porque me fazes falta também nos dias de sol. Porque me fazes falta para partilharmos tantas e tantas conversas sem sentido. Porque me fazes falta para preencher este bocadinho de coração. Porque me fazes falta até quando estás ao meu lado. Porque me fazes falta quando imagino o futuro. Porque me fazes falta. Porque sim. E porque é tão bom, que parece mentira.


sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Eu acredito...

Eu acredito que a vida tem um sentido, uma direção que está traçada há muito, muito tempo... Eu acredito que o vento corre nos dias de calor, eu acredito que o mar é azul para refletir a cor do céu, eu acredito que o sol não se esconde, apenas tem um acordo com a lua, pois ambos têm o direito de brilhar...
Eu acredito que posso ser feliz, um dia... Acredito que o coração é uma arma poderosa que pode ser usada contra nós ou a nosso favor... E acredito que é a sofrer que se aprende a crescer... Acredito na inocência de uma criança, invejo-a... Acredito que Deus está lá, mesmo que nem sempre o demonstre... Acredito que estará lá para mim... Acredito que os amigos são capazes de preencher os espaços vazios do nosso coração... Acredito que uma lágrima derramada é uma parte do nosso sentimento que é expulso do nosso corpo... Acredito que é possível acreditar! Acredito que depois de uma onda gigante, vem uma pequenina e bonita, onde podemos chapinhar, e dar gargalhadas de felicidade! Acredito que as coisas mudam, e que podem mudar para melhor...
Mas também acredito que é possível não se desistir de viver! É possível querer sempre mais, e melhor! É possível ser-se a mesma pessoa, sem o ser, efetivamente. É possível ser forte, e é possível conter as lágrimas num dia de tempestade! Basta acreditar! Basta sorrir, levantar a cabeça e andar para a frente! Basta querer! E eu acredito que quero! E eu quero acreditar! Preciso ser feliz... Preciso acreditar que o vou conseguir! Preciso seguir em frente... Eu preciso, desculpa!