sábado, 16 de maio de 2015

Um dia nada estará mais aqui... Um dia não vamos mais ver o mar, nem cheirar as flores, nem ouvir os cães a ladrar, os pássaros a cantar ou os grilos a grilar... Um dia não vamos mais querer berrar com alguém de tanta raiva, ou rir de tanta felicidade. Um dia não vamos mais caminhar pelo meio da serra, nem ter medo das cobras no verão. Um dia não vamos mais fazer uma coleção de quinquilharia a que já ninguém liga, menos nós. Um dia não vamos mais deitar-nos às 3h da manhã, ligar o computador e ainda ver aquele filme antes de dormir. Um dia não vamos mais ficar chateados por andar à chuva, porque o guarda-chuva decidiu partir a vareta. Um dia não vamos mais importar-nos com alguém que decidiu dizer adeus naquele dia em que tanto precisávamos que estivesse lá. Um dia não vamos mais rir-nos daquele destrambelhado da turma que adormecia nas aulas, e caía no recreio, ou daquele que fez xixi nas calças, ou do outro que partiu um dente, à cabeçada com o outro. Um dia não vamos mais chorar pelo arranhão que fizemos no joelho quando caímos na rua, ou envergonhar-nos desse mesmo momento. Um dia não vamos mais arrepender-nos de responder torto ao chato do homem que estava a vender pulseiras na rua para a Sorriso. Um dia não vamos mais gozar com os nossos irmãos mais novos, que ainda estão numa descoberta incessante do que é a vida e do que ela traz, ou dos mais velhos, que estão a ficar velhos demais para aquelas sessões de luta livre em cima da cama dos pais, ou que perdem sempre a jogar consola. Um dia não vamos mais ouvir aquela música no carro e cantá-la em altos berros enquanto as pessoas que passam acham que somos loucos (e somos). Um dia não vamos mais sair com os amigos para a discoteca, e rirmo-nos daquele triste bêbedo que passa a noite a tentar encontrar a mulher da sua vida. Um dia não vamos mais marcar aquele cafezinho com sabor a felicidade. Um dia não vamos mais reclamar com a nossa mãe que não sabe onde está aquela NOSSA camisola amarela do Spongebob que já não usamos há 10 anos, mas naquele dia queremos mesmo usar. Um dia não vamos mais ter mãe. Nem camisola do Spongebob. Nem poderemos tomar café. Nem teremos mais amigos. Nem ouviremos mais música. Nem jogaremos consola ou lutaremos luta livre. Nem passaremos pelo homem chato da Sorriso. Nem cairemos na rua. Nem teremos aulas ou recreio. Nem andaremos à chuva. Nem nos deitaremos às 3h da manhã. Nem teremos coleções. Nem andaremos no meio da serra. Nem conseguiremos rir ou chorar. Nem saberemos o que é o mar, os grilos ou as flores. Um dia apenas cheiraremos a comida sem sal ou gordura de um hospital, veremos o edifício degradado onde tantos morrem a cada segundo e ouviremos o último pi da nossa vida. Incessante e penetrante. Ou então nem ouviremos nada, ou cheiraremos nada, ou tocaremos nada. E um dia só choraremos porque estamos a morrer e não fizemos nada. Ou pelo menos não o suficiente. Por isso, lutemos. Pela vida. Por mim e por ti. Até ao último pi.

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