sábado, 30 de maio de 2015

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Esventra-se de cada vez que alguém lhe toca, mas ainda assim sobrevive para passar o resto da vida a atormentar-nos. Persegue cada lágrima e escreve cada dor. Aperta-se de uma maneira muito miudinha para nos mostrar que está lá, cada vez que sorrimos de verdadeira felicidade. Para nos mostrar que na verdade aquela felicidade não dura para sempre e que, mais cedo ou mais tarde, virá aquela dor novamente. Culpa-se e culpa-nos. Como que "não és feliz porque não queres ser". E nós queremos ser. E agarramo-nos a essa mentira chamada esperança. Mentira porque apenas nos engana. Porque nunca sabemos que vai ficar tudo bem. Apenas somos iludidos com a mera possibilidade de isso acontecer. E agarramo-nos com toda a força, ainda assim. Até que cansa... Até que dói... Até que não faz sentido agarrarmo-nos mais. E aí, lá vem ele, novamente, com todos os pontos de interrogação, e não nos deixa desistir. E obriga-nos a continuarmos a agarrar-nos àquela ilusão. E qualquer sinal de que vai ficar tudo bem é como que uma avalanche que nos empurra para a frente, para imediatamente a seguir sermos derrubados por um trenó apressado, que nos passa por cima, e nos esborracha uma vez mais... É assim que funciona o coração. Ilude-nos com isto a que chama vida, e no entanto não pára de se ferir. E de nos ferir. E isto está longe de ser justo. Porque devia obrigar-nos a agarrarmo-nos apenas àquilo que nos faz bem, e que nos promete felicidade. Verdadeira. Não aquela ilusória que a esperança nos jura. Até ser feliz dói. Dói sentirmo-nos impotentes. E dói muito sentirmo-nos esquecidos... Ultrapassados... Vencidos pela vida que nós próprios construimos. Dói sentirmo-nos um zero nesta merda de vida. Nem na nossa vida podemos decidir ser aquilo que quisermos. O coração não deixa. Puta que pariu o coração.

sábado, 16 de maio de 2015

Um dia nada estará mais aqui... Um dia não vamos mais ver o mar, nem cheirar as flores, nem ouvir os cães a ladrar, os pássaros a cantar ou os grilos a grilar... Um dia não vamos mais querer berrar com alguém de tanta raiva, ou rir de tanta felicidade. Um dia não vamos mais caminhar pelo meio da serra, nem ter medo das cobras no verão. Um dia não vamos mais fazer uma coleção de quinquilharia a que já ninguém liga, menos nós. Um dia não vamos mais deitar-nos às 3h da manhã, ligar o computador e ainda ver aquele filme antes de dormir. Um dia não vamos mais ficar chateados por andar à chuva, porque o guarda-chuva decidiu partir a vareta. Um dia não vamos mais importar-nos com alguém que decidiu dizer adeus naquele dia em que tanto precisávamos que estivesse lá. Um dia não vamos mais rir-nos daquele destrambelhado da turma que adormecia nas aulas, e caía no recreio, ou daquele que fez xixi nas calças, ou do outro que partiu um dente, à cabeçada com o outro. Um dia não vamos mais chorar pelo arranhão que fizemos no joelho quando caímos na rua, ou envergonhar-nos desse mesmo momento. Um dia não vamos mais arrepender-nos de responder torto ao chato do homem que estava a vender pulseiras na rua para a Sorriso. Um dia não vamos mais gozar com os nossos irmãos mais novos, que ainda estão numa descoberta incessante do que é a vida e do que ela traz, ou dos mais velhos, que estão a ficar velhos demais para aquelas sessões de luta livre em cima da cama dos pais, ou que perdem sempre a jogar consola. Um dia não vamos mais ouvir aquela música no carro e cantá-la em altos berros enquanto as pessoas que passam acham que somos loucos (e somos). Um dia não vamos mais sair com os amigos para a discoteca, e rirmo-nos daquele triste bêbedo que passa a noite a tentar encontrar a mulher da sua vida. Um dia não vamos mais marcar aquele cafezinho com sabor a felicidade. Um dia não vamos mais reclamar com a nossa mãe que não sabe onde está aquela NOSSA camisola amarela do Spongebob que já não usamos há 10 anos, mas naquele dia queremos mesmo usar. Um dia não vamos mais ter mãe. Nem camisola do Spongebob. Nem poderemos tomar café. Nem teremos mais amigos. Nem ouviremos mais música. Nem jogaremos consola ou lutaremos luta livre. Nem passaremos pelo homem chato da Sorriso. Nem cairemos na rua. Nem teremos aulas ou recreio. Nem andaremos à chuva. Nem nos deitaremos às 3h da manhã. Nem teremos coleções. Nem andaremos no meio da serra. Nem conseguiremos rir ou chorar. Nem saberemos o que é o mar, os grilos ou as flores. Um dia apenas cheiraremos a comida sem sal ou gordura de um hospital, veremos o edifício degradado onde tantos morrem a cada segundo e ouviremos o último pi da nossa vida. Incessante e penetrante. Ou então nem ouviremos nada, ou cheiraremos nada, ou tocaremos nada. E um dia só choraremos porque estamos a morrer e não fizemos nada. Ou pelo menos não o suficiente. Por isso, lutemos. Pela vida. Por mim e por ti. Até ao último pi.

domingo, 3 de maio de 2015

A vida é uma merda. Seria hipócrita se dissesse que a vida é linda e cheia de unicórnios e fadas e princesas. Não. A vida é uma merda. E no entanto, a ironia é que a vida também é a melhor coisa que temos. Mesmo que sendo uma merda. E há dias em que eu acordo e penso "A minha vida é uma merda tal, que nem sequer me vou levantar para a enfrentar." E não me levanto... Voltar a dormir é a melhor forma de nem sequer se pensar na merda que é a vida. E nem sequer me ocorre que, além de perder a merda que aquele dia poderia ser, também perco um dia da minha vida, que no fundo é o melhor que tenho.
Não gosto de me gabar. Pelo contrário. Ultimamente até me apercebi que sempre me rebaixei mais do que aquilo que devia. Sempre achei que a minha vida era uma merda maior que a vida dos outros. Admito: sou uma criança. Pelo menos tenho a inocência de uma. Tenho tentado consciencializar-me que crescer é significado de acordar para a vida. De perceber o que me passa mesmo ao lado... Mas apesar de perceber tudo isso, não o faço. Por razão nenhuma. Apenas tapo os meus ouvidos e grito em voz alta para mim mesma "A minha vida é uma merda." E pronto... Faço a birra de uma criança de 3 anos que quer o chupa chupa que está a venda ao pé da caixa do supermercado.
Hoje não me vou rebaixar, ou vitimizar, ou dizer que a vida é uma merda (apesar de o ser, efetivamente). Às vezes não sei se acredito em Deus ou não. Acho que isto é porque vivemos tão cegos, que não nos apercebemos que a vida não é feita de ajoelhar-se à noite e rezar três pais-nossos à espera que no dia seguinte os nossos desejos sejam realizados. Vivemos numa constante busca de alguma coisa que nos faça sentir alguma coisa. E o que acontece é que sentimos. Sentimos raiva e revolta, porque nunca estamos bem. Por muito felizes que nos sintamos num segundo, no segundo seguinte já estamos a sentir-nos mal, porque pensamos naquele dia, naquele momento, naquela pessoa, naquele lugar... Num segundo afirmamos com toda a segurança que estamos felizes e que nada nos pode mudar a felicidade, e no segundo seguinte já estamos novamente a lembrar-nos de como a nossa vida é uma merda, e de como somos infelizes, e de como nada do que nós queremos se realiza, e de como já sofremos, e de como e de como e de como... É sempre esse segundo seguinte que nos pega num bocadinho de cérebro e ata um nó tão perfeito, que acabamos por ficar sem saber como desamarrá-lo sem o destruir por completo... Então... Porque não parar no segundo anterior? Hoje parei. Hoje lembrei-me não de como sou infeliz, não de como tenho azar, não de como a minha vida corre mal. Hoje lembrei-me que tenho uma vida pela frente para ser feliz, para ter sorte, para construir uma vida. Não o devo a mim. Devo-o a esta mesma vida. Que me tira com uma mão, mas me dá com a outra. Ou se calhar sempre me deu... E eu, egoísta como o ser humano deve ser, nunca pensei tanto nisto. Hoje fiz um brinde. Às pessoas. Às minhas pessoas. Àquelas que, mesmo na sombra, nunca deixaram de me dar a mão. Às que me dão o colo para eu chorar, às que me ouvem quando só digo porcaria, às que simplesmente me calam com os olhos, porque não é preciso dizer-se mais nada. Às gargalhadas, às conversas, aos momentos em que percebo que a minha vida é fantástica. Aos momentos em que percebo que tenho os melhores. Aos momentos em que pensei que a vida é uma merda, para poder valorizar os de agora. Obrigada. Pelas surpresas, pelo mimo, pelos sermões e missas cantadas, pelos conselhos, por tudo o que agora nem sei escrever. Um brinde à vida, que é a melhor merda que se pode ter. A nós, a todos como nós, e o resto que se foda.